domingo, novembro 26, 2006

as quatro estaçoes :o outono

... não sei, no entanto, que estação é esta
na alma. Talvez uma indecisa nostalgia
provoque o regresso das tardes solitárias
de frio e chuva; e um luto de sol
se instale na superficie dos dedos, impedindo o curso do verso.
É como se abrisse a janela, e me debruçasse para um lago
de névoa, onde apenas se ouvisse o ruído
monótono dos remos na incansável tarefa;
e uma voz me chamasse de dentro, distraindo-me
desse tempo que se aproxima, com o declínio das aves,
com a lucidez nos lábios,
e um sentimento que insiste,sem se ver.

Nuno Júdice

sábado, novembro 18, 2006





















Fotos : hélia coelho

quarta-feira, novembro 15, 2006

Moiras num jardim ao anoitecer

Páro num largo ajardinado onde há um busto de bronze.
Entardece. No ar afogueado, as flores recortam-se nítidas e coloridas. Por um instante os ruidos cessam.Sequer o motor de um carro ao longe.
Suspensa, a vila inquieta-se na luz magoada e doce da noite que desce.Passam por mim mulheres sem nome, nem vida que eu conheça.Passam fugazes, leves, e nem lhes oiço o rumor do passo.Apenas corpos delgados, rostos de olhos negros, profundos.O mistério adensa-se com o cair da noite.Vem-me à lembrança a lenda das moiras encantadas, que ouvi quando jovem:longíqua e veemente, ressoa ainda a voz que implora de amor junto à cisterna:
- Cássima!...

Manuel da Fonseca in Crónicas Algarvias

terça-feira, novembro 07, 2006

as árvores morrem em pé...



Fotos : Hélia Coelho

sexta-feira, outubro 06, 2006
























Foto: Hélia Coelho

sul

tudo, ali, é simples e complexo: a luz,
a solidão, o olhar que se comove com o cair
da noite e com o nascer do dia;e, até,
os risos de mulheres que se ouvem desde longe,
trazidos pelo ar cuja transparência se sente
na própria respiração.No entando, debruço-me
da varanda e dou por que algo se oculta,
para além dos muros e dos quintais, e chama
por mim sem que eu possa responder. Então,
volto para dentro; preparo o café; e
enquanto a água ferve o mistério desaparece,
inútil e excessivo, no início da tarde

Nuno Júdice

quarta-feira, agosto 09, 2006



Foto: hélia coelho

esse ... de sagres

Eis – piaram-me as aves – o abismo sagrado!
E esvoaçaram lendas, inventadas na hora,
que falam de luas e poentes a namorar num solstício,
e dum vento insólito capaz de se deter no tempo exacto
de um beijo.

Vim em busca de outros segredos feiticeiros
e encontro-os impressos na falésia.
São grafitti de mar na demora do tempo.
Dizem-me que na nervura das marés
se escutam cantos berberes encostando o ouvido às rochas.
E contam histórias de outros antigos guerreiros
que apenas tinham por bandeira
o livre caminhar.
Todos pararam aqui.
São claras as marcas
de um clã-destino convertido aos amores proibidos.

Encho o peito,
telúrico,
e sinto que a terra acaba ali.

Solto o olhar ao fio do horizonte
e sou tentado a ir com ele.
O perigo, são mesmo as sereias.
A melopeia encantatória atrai-nos ao abismo.
Deixou assim escrito na pedra,
um poeta peregrino que pensava ter chegado a Ítaca.
E o abismo é sagrado.

Gregório Salvaterra. Contador de gaivotas e poeta público (*),nesta paragem


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(versão em inglês por Jill Gerrich)

Look – the birds call to me – the sacred abyss!
And they flutter and flap fables,
invented on the spot,
telling about moons and sunsets loving each other at a solstice,
and an extraordinary wind which can stop just in the time it takes
for a kiss.
I came in search of other bewitching secrets and I find them imprinted on the cliff.

They are the sea’s grafitti with the passage of time.
They tell me that Berber songs can be heard amongst the crashes of the waves by pressing one’s ear to the rocks.
And they tell stories about other ancient warriors who only had to place the flag to walk free.
All had stopped here.The marks of a secret convert to forbidden loves are clear.
I inhale deeply, telluric, and feel that Earth ends there.
I shoot a glance at the line of the horizon and I am tempted to follow it.
The mermaids are the real danger.
Their enchanting music draws us towards the abyss.
A pilgrim poet who thought he had arrived at Ithaca left this written on the stone.
And the abyss is sacred.
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Este texto foi publicado em 15 de Novembro de 2003, na revista Golfe a Sul (Dossiers Especiais ), suplemento do semanário EXPRESSO.

quarta-feira, agosto 02, 2006




fotos : hélia coelho

muito azul

não sei as horas, porém as pessoas
ou as aves, não se ouvem

atiro lentamente pedras
contra luz

olho o mar
muito azul.
entreabro as mãos
escorre a caruma apanhada ao acaso.

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

quinta-feira, junho 22, 2006

foto: Hélia Coelho

segunda-feira, junho 19, 2006

as cores da minha infância

São
brancos tons de candura
azuis de céu e mar
em paredes de pedra e cal aquecidas pelo sol

verdes frondosos e frescos de choupos e fetos reais
sugando correntes de ribeiras transparentes.

São
castanhos avermelhados em grés
laranjas crepusculares

desta terra de barro com odores intensos
de laranjeira em início de primavera

São
bejes de fim de ceifa
pó de farinha trigo moído
ramos secos de esteva ateados
em fornos de pão arduamente amassado.

Roxos de rosmaninho lilazes
confundidos entre amarelos fogo
de azedas em terrenos férteis...

São
secos verdes pegajosos
tons de rosa forte de estevão firme
no árido cinzento dos xistos.

são
multicolores de ouro e prata
brilho de taliscas talhadas
que se erguem nos montes até ao limite dos céus

as cores da minha infância
avisto-as nesta serra íngreme e profunda

numa dualidade de esquecimento
e vivamente com vida.

hjnc

sábado, junho 17, 2006

Foto : Hélia Coelho

sexta-feira, junho 16, 2006

Toco o tronco com a minha mão e sinto a mesma paz de sempre,
paz reencontrada a cada dia. Minha mão agora tão rugosa como o tronco,
encarquilhada, seca. Como não dei por ele, pelo tempo?

Porque o tempo passou silencioso como um vento suave,
matinal e eu não o senti.

Cristina Neves

quarta-feira, junho 14, 2006

foto:HéliaCoelho

janelas

As portadas das janelas estão fechadas ou quase fechadas, apenas uma frincha de luz escorre pelas paredes antigas. Para lá das janelas, para lá das portadas das janelas, está serra, a serra e o silêncio. No jardim, no vasto jardim virado a sul. Ergue-se a vida intocada.

Cristina Neves

segunda-feira, junho 12, 2006

Foto: Hélia Coelho
De pedra e cal
os labirintos brancos
e a brancura do sal
sobe pelas escadas


De pedra
e cal a cidade
toda quadriculada
como um xadrez jogado
só com pedras brancas

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, junho 08, 2006

silves

Foto: Hélia Coelho

silves

à noite
cresce o arbusto dos ralos
vibra o silêncio
descrê-se do passar das horas.

João Pedro Mésseder

quarta-feira, junho 07, 2006

Foto: Hélia Coelho
... ó noite, ó espessura, ó outra vez a noite,
outra vez esse sabor submerso, esse sabor do fundo,
esse sabor bem longe, esse sabor total,
esse sabor onde eu sinto a terra num só gosto,
esse sabor original, fonte de todo o sabor,
surto submerso,
ó único sabor. ...


António Ramos Rosa

sexta-feira, maio 26, 2006

as estações.... outono e primavera...
o local o mesmo à tardinha em Alte...

Fotos : Hélia Coelho

quinta-feira, maio 25, 2006

este algarve que vos deixo..

A vida na grande terra
corrompe a humanidade
Entre a cidade e a serra
prefiro a serra à cidade.


António Aleixo em " Este livro que vos deixo"